domingo, 5 de julho de 2009

Qual é a qualidade da democracia em Portugal?

Por norma, não gosto de movimentos e discursos de carácter femininista, aliás, devo confessar que nem gosto da comemoração do dia da mulher, pelo sentido e valores de diferenciação a eles associados. Por um lado, porque as mulheres não têm que ser mais, nem melhores do que os homens, por outro lado, porque comemorar o dia da mulher é, para mim, o assinalar, o acentuar e aceitar uma desigualdade entre cidadãos.
Enquanto cidadã, a lembrança de como era viver no antigo regime e a revolução do 25 de Abril não é mais do que uma franja na minha infância, sem consequências, sem revoltas. Mas enquanto mulher, a viver num país democrático há 35 anos, a revolução do 25 de Abril tem outros significados, essencialmente, porque o que muitos cidadãos deste país ganharam com ele e com a democracia, o direito à liberdade e à igualdade, muitos outros, a maioria ainda continua a lutar por estes direitos e, entre estes, as mulheres.
Mesmo que a partir de 1974 com a Lei nº 621-A de 15 de Novembro se tenha formalmente abolido as restrições baseadas no sexo e alterado o texto da Constituição da República Portuguesa e, posteriormente, o estatuto social e jurídico da mulher, a verdade é que passados 35 anos, ainda não foi atingida a igualdade plena em termos práticos, com consequências muito graves, não apenas para as mulheres, mas, também para a sociedade em geral. E enganem-se aqueles que estão já a pensar, “lá está ela, mulheres ao poder”, porque esta realidade vai muito para além dessa circunstância, e é isto é que é preciso ser falado e relembrado.
Gostaria de evidenciar algumas assimetrias em domínios chave para a concretização plena da igualdade de género: o trabalho remunerado e os processos de tomada de decisão.
Sendo o trabalho remunerado a principal fonte de recursos que permite, não apenas, a independência e a segurança económica das pessoas, ele é, também, essencial para o desenvolvimento individual, auto-estima e acesso à satisfação das necessidades básicas de sobrevivência, tanto para homens como para mulheres.
Em Portugal, como no resto do mundo, a desproporção entre os rendimentos/salários de homens e mulheres é elevado, muito se devendo ao facto de que as oportunidades de emprego no mercado de trabalho serem inferiores para as mulheres. E isto reflecte-se, principalmente, num maior índice de pobreza entre a população feminina, com repercussões graves no acesso a outros recursos como a saúde, a educação, a bens culturais e de lazer.
Mas esta situação funciona como uma reacção em cadeia e de consequências a médio e a longo prazo. Quando as mulheres entram mais tarde no mercado de trabalho do que os homens; quando, por motivos de maternidade, ficam em casa; quando são despedidas dos seus empregos; quando recebem salários mais baixos. Todas estas condições se vão reflectir na sua carreira contributiva e, inevitavelmente, na sua reforma. A estes factores acrescentamos ainda as dificuldades associadas ao facto das famílias apenas terem disponível um vencimento - porque os modelos de família também estão a mudar e cada vez mais encontramos famílias monoparentais, sendo, na maioria dos casos, as mães que ficam com os filhos e não têm qualquer ajuda financeira do outro progenitor. Esta é uma situação de graves consequências, não apenas para a mulher e mãe, mas também para para os filhos, pois a satisfação das necessidades básicas das crianças, tais como o acesso à educação ou qualificação profissional fica bastante condicionada, reproduzindo na geração mais nova a mesma assimetria sócio-económica de desigualdade de oportunidades versus pobreza.
Em Portugal, a população feminina representa mais de metade dos indivíduos, cerca de 52% e apesar desta maioria, segundo dados do INE do 4º trimestre de 2003, as mulheres apenas ocupavam 32,5% dos cargos superiores das empresas. A taxa de emprego em 2006 era de 62,6% para os homens e 45,1% para as mulheres. A taxa de desemprego era de 8,7% para as mulheres e 6,7% para os homens, subindo em 2007 para valores muito superiores, 9,6% para as mulheres e 7,1 nos homens (dados Eurostat). Segundo algumas fontes, o valor médio dos salários das mulheres é de menos 23% do que do homens, podendo atingir os 27% quando se considera os ganhos médios mensais, que incluem outras componentes do salário de natureza geralmente arbitrária (DETEFP, Quadros de pessoal, 1998).

No que se refere à escolaridade, o panorama não muda muito. São cada vez mais mulheres jovens com o Ensino superior e são, também, em maior número as mulheres mais velhas sem qualquer escolaridade. Neste capítulo, infelizmente os dados são, mais uma vez, desfavoráveis ao sector feminino, pois dos 269 200 com mais de 65 anos, sem nenhuma escolaridade, 153 100 são mulheres.
Desigual é também a partilha do poder na esfera pública entre as mulheres e os homens. Este facto leva, na prática, a que a vida das mulheres seja, em larga medida, condicionada pela aplicação do modelo masculino à organização da sociedade e que conduz ainda ao desperdício de cerca de metade dos recursos disponíveis e à satisfação do interesse geral.
A sociedade portuguesa separa, num modelo horizontal e vertical, a presença relativa de mulheres e de homens, nas diferentes esferas da sociedade, económica, social, política, etc. Isso é bastante visível se olharmos para o conjunto de actividades e profissões, onde ainda se sente uma forte concentração da mão-de-obra feminina. Estas estão frequentemente associadas a actividades que estabelecem uma ampliação profissionalizada das tarefas tradicionalmente desempenhadas pelas mulheres no contexto do espaço doméstico. Dou como exemplo os ramos de actividade que apresentam maiores taxas de feminização: serviços pessoais e domésticos – 98,8%, saúde e acção social – 80,6% e educação – 75,6% (INE, Inquérito ao Emprego, 1998).

Nos cargos políticos a taxa de feminização, segue o mesmo rumo, ou seja, mesmo tendo vindo a aumentar, recorde-se que nas primeiras legislativas após o 25 de Abril, esses valores correspondiam a 4,9%, em 1999 foi de 17%. O XIV governo constitucional, era constituído por 23 ministros, dos quais apenas 3 eram mulheres e dos 43 secretários de estado, 3 eram mulheres. Actualmente temos no governo, 55 membros, incluindo o 1º ministro. Destes 16 são ministros sendo apenas 2 do sexo feminino e 37 secretários de estado, onde apenas 4 são mulheres.

No Bombarral, o concelho onde resido, tinha registados em 2001, uma população de 13 324 indivíduos, e desses, 51% eram mulheres. Do total, 5350 constituíam a população activa, apenas 1975 eram mulheres. Dos 443 desempregados, 324 (73%) eram mulheres. À procura de um novo emprego estavam 360 indivíduos e, mais uma vez, a maioria eram mulheres, 266. Dos 1886 núcleos familiares com filhos, 285 eram de mães com filhos.

Quanto à escolaridade, uma grande maioria de mulheres não possui qualquer grau de escolaridade. Num total de 875 cidadãos, 492 são do género feminino.

O número de mulheres a ocupar cargos/posições políticos, é totalmente irrisório. Existe uma senhora que é presidente da Assembleia Municipal, quatro deputadas na Assembleia Municipal, uma presidente Junta na freguesia da Roliça e pouco mais, num universo de várias dezenas de eleitos do género masculino.

A mensagem que quero deixar é: que façamos um apelo à reflexão e mudança de mentalidades, pois não estamos apenas a desperdiçar recursos como estamos, também, a produzir e a reproduzir uma sociedade cada vez mais empobrecida e discriminatória. Os valores da democracia e os direitos inscritos na Constituição Portuguesa, não estão a chegar a todos os cidadãos da mesma forma como seria justo e espectável, ou seja, independentemente das capacidades físicas, intelectuais, qualificações ou sexo de cada um.

E esta continua a ser a luta de alguns, 35 anos depois…

Qual é, afinal, a qualidade da democracia em Portugal?

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