segunda-feira, 23 de novembro de 2009

"Pátria" minha - do Séc. XIX ao Séc. XXI qual a diferença?

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que
um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação,
da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador; e este, finalmente,
tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Guerra Junqueiro, 1896.

domingo, 15 de novembro de 2009

E ASSIM LÁ VAMOS NÓS VIVENDO...

A minha filha disse-me uma vez o seguinte “a falares assim não vais conseguir fazer nada na política”. Devo admitir que para além da surpresa momentânea que tive porque, ela, uma miúda de 24 anos e desprendida, como a maioria dos jovens, de muitos problemas da nossa sociedade, evidenciou naquele instante e naquela frase, que afinal não está tão alheia à realidade, como, atestou também, uma realidade que é (tenho essa consciência mas recuso-me a ceder ou aceitar alterar) cada vez mais frequente, mais consciente e mais vulgar na vida dos cidadãos (para os que estão e para os que não estão na política) do que eu gostaria de admitir. Uma realidade baseada na hipocrisia, na mentira, na corrupção, no interesse e enriquecimento pessoal, na bajulação, no atropelamento dos outros e da sociedade, enfim, uma realidade sustentada numa panóplia de valores, que se tornaram o objectivo de vida de muitos, ou então são tidos como “normais”, de tal forma, que as pessoas lá vão aceitando e, na primeira oportunidade fazem o mesmo.
Para o bem e para o mal, este modo de estar e "valores" não fazem parte do meu vocabulário nem do meu dia-a-dia, mas, evidentemente, muitos já foram aqueles que me disseram e uns tantos outros poderão vir dizer, que sou uma idealista, que sou ingénua, talvez até pouco inteligente e pouco esperta, pois devia fazer como os outros se quiser sobreviver e/ou andar no mundo da política. Variadas vezes tenho ficado frustrada por nada poder fazer para impedir certas atitudes, por não poder ou por não encontrar uma fórmula para fazer com que as pessoas tomem consciência das suas acções e do mal que elas provocam aos mais desprotegidos e à Humanidade. Devo confessar que nos últimos anos, e com alguma frequência, tenho pensado em desistir e pensar apenas em mim, na minha vidinha e em como resolver os meus problemas. Algumas vezes tenho mesmo conseguido afastar-me da realidade e da “política” por algum tempo, no entanto, “é sol de pouca dura” como diz o povo. Quando dou por mim, lá estou eu a ralhar, a falar sozinha, a inquietar-me e a preocupar-me com o que vejo e oiço à minha volta, com as pessoas e colegas de trabalho que progridem na profissão à custa das “cunhas”, da “graxa” ou militância partidária e não das capacidades profissionais; com as atitudes desses “políticos”, desses banqueiros, desses gestores, directores e presidentes de empresas e multinacionais (que ninguém vê o rosto), desses juízes, procuradores e advogados, desses jornalistas e directores de jornais, desses homens e mulheres que vivem no topo da pirâmide social e que nada mais fazem senão tirar vantagem do poder que conseguiram, do dinheiro que têm, dos lobbies que vão controlando, para subjugar tudo e todos, especilamente os que não fazem como eles. E o mundo vai ficando cada vez pior, e os pobres cada vez mais pobres, e os desprotegidos cada vez mais desprotegidos.
O sentimento crescente é de falta de confiança e um grande desalento. Falta de confiança, nas pessoas, nas instituições, no futuro, na palavra e na honra (se é que alguém se lembra já o que é). Falta de confiança até em nós próprios, pois, inevitavelmente, acabamos por pensar que somos nós que estamos errados, que somos nós que não temos capacidade e alguns acabam sucumbir à "pressão" e passam empenhar-se no sentido de fazer exactamente o mesmo para conseguir benefícios para si próprios, para melhorar de vida, custe o que custar, atropele-se quem tiver que se atropelar. Como? Isso não interessa para nada! Os outros acabam nos consultórios dos psiquiatras e a entupir-se que antidepressivos para conseguir sobreviver ao atropelo humano. Ou seja, o ciclo alimenta-se assim, os que não estão querem estar, por isso muitas vezes se ouve esta frase “ se eu lá estivesse fazia o mesmo”. Os que não estão nem querem estar, que se tornem espertos, senão quem os manda ser assim "parvos".
É assim a nossa sociedade e é assim que se sustenta a corrupção e a hipocrisia, a falta de decoro, a falta de valores, a falta de respeito pelos outros, pela liberdade e pela democracia. Enfim, e perdoem-me o desabafo porque mesmo não sendo comunista nem defender os princípios deste socialismo que lhe estão associados, não posso deixar de reconhecer que o Karl Marx tinha razão quando falava do capitalismo e das suas consequências.
O que me assusta ainda mais é que ainda não acabou e, por mais fértil que seja a nossa imaginação, será que conseguimos imaginar o que nos espera?
Para já, não posso deixar de concordar com Jorge de Sena quando escreve”As palavras estão podres”